Em dois meses, um quarto dos motoristas envolvidos em acidentes fugiram
Publicação: 28/02/2011
Envolver-se em acidente de trânsito com vítima e fugir sem prestar socorro ou para escapar da punição é crime. Mas isso não impediu que pelo menos quatro motoristas envolvidos em ocorrências de trânsito em menos de dois meses abandonassem suas vítimas à própria sorte. Não há um estudo sobre os motivos que levam uma pessoa a omitir socorro no Distrito Federal. Mas especialistas ouvidos pelo Correio afirmam que, via de regra, é para safar-se das punições civil e penal. Quase sempre, antes de provocar a tragédia, o motorista extrapolou o limite de velocidade, ignorou a proibição de dirigir alcoolizado ou furou o sinal vermelho.
Em uma casa humilde no Núcleo Rural Monjolo, no Recanto das Emas, a família Leite chora a falta de Valdir Ribeiro Leite, 40 anos, atropelado e morto quando seguia pela Estrada Parque Taguatinga (EPTG) de bicicleta, no último dia 19. O motorista fugiu sem prestar socorro, mas acabou detido no Pistão Norte, quando familiares o colocavam em outro veículo. Há pouco mais de um ano, Rosângela Maria de Oliveira Leite dos Santos, 37, irmã de Valdir, enterrou o filho de 9 anos, também vítima de atropelamento. “Pelo menos, o motorista não fugiu. Ficou o tempo todo ao lado do meu filho. Teve uma hora que o policial falou: ‘você pode ir para casa’. Mas ele disse: ‘não, eu fico aqui até recolherem o corpo’. O cara (que atropelou Valdir) podia pelo menos ter ligado para o Corpo de Bombeiros ou avisado a polícia”, ressente-se Rosângela.
O motorista do carro que atingiu Valdir é Leonardo Teixeira da Silva, 28, segundo o sargento João Carlos de Oliveira, da Polícia Militar. Após a colisão com a bicicleta, ele teria fugido mesmo com o pneu do carro estourado. “O acusado negou ter bebido, mas não quis fazer o teste do bafômetro. Ele estava com os olhos vermelhos, o andar vacilante e as vestes desajeitadas”, contou o sargento. Aos 72 anos, a mãe da vítima, Maria José Oliveira Leite, se sente perdida. “Eu estava nas mãos dele (Valdir). Tenho diabetes, colesterol (alto) e sofro do coração. Ele fazia tudo por mim. Aplicava injeção, dava remédio, buscava o leite, vivia comigo para cima e para baixo. As pessoas não deviam beber e dirigir, minha filha. A lei proíbe”, comentou, com os olhos marejados.
O Departamento de Trânsito (Detran) não tem estatística sobre os motivos que levam o motorista a fugir sem prestar socorro. Mas o diretor-geral do órgão, José Alves Bezerra, diz que a experiência de 27 anos de Detran permite elencar algumas das causas mais frequentes da omissão dos condutores. “Geralmente fizeram alguma coisa errada que resultou no acidente: dirigir alcoolizado, sem carteira de motorista, fazer ‘pega’ são os principais motivos. Em vez de ficar e assumir as consequências, ele dá uma de espertalhão para escapar da repercussão negativa dos seus atos e da punição”, ressalta Bezerra. “Fico me perguntando como é que ele se livra da consciência. Ser solidário é melhor que ser omisso achando que vai se dar bem”, completa.
Covardia Aos 26 anos, o barman Cleison de Souza da Cunha diz ter nascido de novo. “É graças a Deus e ao cinto de segurança que estou vivo”, acredita. Há um mês, ele voltava do serviço para casa com mais três colegas de trabalho quando o carro em que estavam foi atingido por outro em um cruzamento de Taguatinga, às 2h45. Viviane Rocha da Silva e Gleicivânia Nascimento foram arremessadas para fora do veículo e morreram na hora. Cleison desmaiou. “Não sei quanto tempo fiquei desacordado. Vi um clarão, a pancada e, depois, já estava de pé, procurando meus amigos. Vi as meninas no chão e logo os bombeiros me levaram para o hospital”, relata.
Segundo o delegado Alberto Velloso, chefe da 12ª Delegacia de Polícia (Taguatinga), Bruno de Jesus Machado dirigia o veículo que atingiu o carro das vítimas e fugiu. “Testemunhas contaram que o veículo não saía do lugar. Ele, então, abandonou o carro no meio da rua e fugiu a pé. Há a suspeita de que trafegava em alta velocidade e furou o sinal vermelho”, detalhou Velloso. O rapaz só se apresentou à delegacia dois dias após o acidente e acompanhado de dois advogados. “A investigação está na fase final. Pedimos algumas informações ao Detran e estamos aguardando a resposta para concluir o inquérito”, resumiu o delegado, sem detalhar as etapa da investigação.
O jovem motorista investigado tem 21 anos e mora no Guará. O Correio apurou que, desde 2008, ele ignora as leis de trânsito. Primeiro, foi flagrado dirigindo alcoolizado e teve o direito de dirigir suspenso por um ano, conforme determina a Lei 11.705/08 (veja o que diz a lei). Em vez de cumprir a punição, o rapaz voltou a dirigir e, flagrado pelo Detran, acabou tendo a CNH cassada por dois anos. O prazo de cassação só venceria em 29 de setembro próximo.
Já o motorista que transportava os trabalhadores tem 41 anos e pediu para ter o nome preservado. Mesmo não sendo o responsável direto pelo acidente, diz sentir culpa pela morte das colegas de trabalho. “Mesmo com o sinal aberto para mim, eu deveria saber que tem muito motorista irresponsável por aí, especialmente de madrugada”, lamenta. Desde que o acidente ocorreu, ele tenta localizar familiares das jovens para que eles recebam a indenização do Seguro de Danos Pessoais Causados por veículos Automotores de Via Terrestre (Dpvat). “Sei que uma é do Piauí e outra, do Maranhão. Os telefones que consegui não atendem. Não sei mais o que fazer. Me sinto impotente”, comenta. Cleison de Souza só soube da omissão de socorro dois dias depois. “Fiquei muito triste. Quem faz isso não se importa com a vida do outro. É uma covardia”, reclama.
Medo Para o delegado Alberto Velloso, de modo geral, “quem foge fez alguma coisa errada. Ou estava em alta velocidade, ou alcoolizado. Nesse caso, não se apresenta mesmo”. Mas há situações em que o condutor se omite por medo de ser linchado por testemunhas. “É preciso entender que a lei não exige que ele fique ao lado da vítima. Se não se sente capaz ou acha que a própria segurança está em risco, ligue para o 193, 192 ou avise a polícia pessoalmente”, aconselha Velloso.
Foi o que fez o motorista de um caminhão que atropelou e matou uma catadora do lixão da Estrutural, há cerca de 15 dias. Sob ameaça de linchamento, ele procurou abrigo na guarita e chamou a polícia. “Nesse caso, a vítima morreu na hora. Não há que se falar em omissão de socorro se não há vida. Mas ainda assim, o envolvido tem que comunicar as autoridades o mais rapidamente possível”, esclareceu o delegado Alberto Vieira Passos, chefe da 8ª DP (SIA).
Prisão ou multa Deixar o condutor de veículo, na ocasião do acidente, de prestar socorro imediato à vítima é crime previsto no Artigo 304 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Por lei, se o motorista estiver impossibilitado de ajudar a vítima e, tendo uma justa causa, deve pedir ajuda de uma autoridade pública. Também é crime a atitude de afastar-se do local do acidente para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída. Para cada uma das condutas, a pena varia de seis meses a um ano de detenção ou multa.
Suspensão
É proibido dirigir após ingerir bebida alcoólica, segundo a lei. A infração é gravíssima, punida com multa de R$ 957, sete pontos na carteira e suspensão do direito de dirigir por um ano. O condutor flagrado com índice igual ou superior a 0,29 miligrama de álcool por litro de ar expelido dos pulmões, além de ser punido administrativamente, é detido e paga fiança de até R$ 2 mil para sair da cadeia; responde criminalmente por dirigir alcoolizado.
Fonte: Correio Braziliense
Vítimas de acidentes têm mais chance de
sobreviver quando socorro é rápido
Publicação: 28/02/2011
Quando o acidente de trânsito não provoca a morte imediata da vítima, a decisão do motorista de fugir sem prestar socorro pode representar uma sentença de morte. Especialistas explicam que, quanto mais rápido o atendimento médico, há mais chances de sobrevivência e menos possibilidade de sequelas. E prestar socorro não significa, necessariamente, tocar na vítima ou levá-la a um hospital. Basta pegar o telefone e avisar aos serviços de emergência. A corrida contra o relógio para salvar a vítima é tão importante quanto a qualidade do atendimento.
Diretor do Departamento de Atendimento Pré-Hospitalar da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), Carlos Eid destaca que o tempo-resposta — aquele entre a lesão e o primeiro atendimento — é crucial para a vítima. Tanto que em alguns grandes centros do mundo, como Toronto (Canadá) e Nova York (Estados Unidos), as autoridades fixaram como meta que 80% dos chamados sejam atendidos em até 10 minutos.
Mas não basta ser rápido. O socorro precisa ser feito por pessoa habilitada. “Ligue para a emergência. Enquanto o socorro não chega, sinalize o local para evitar outro acidente. Caso esteja bem treinado e se sinta capaz, tente interagir com a vítima. Do contrário, siga as orientações do socorrista”, aconselha Eid. Diretor de Assistência às Urgências e Emergências da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, Ayrton Barroso acrescenta que pessoas sem capacitação podem piorar ou provocar lesões ainda mais graves nas vítimas. Não há estimativa de tempo médio de resgate no DF, segundo Barroso, coordenador do Samu e das urgências e emergências dos hospitais.
Falta de solidariedade O pedreiro José Bezerra de Lima, 72, nunca vai saber se o filho, Wesley Cardoso dos Santos, 23 nos, sobreviveria ao atropelamento ocorrido na madrugada de 2 de agosto de 2009, na DF-290, em Santa Maria. “Não sei se ele morreu na hora. Mas ficou largado lá no chão. Sei que tem o assombramento da hora (o susto), mas um ser humano precisa ajudar o outro. Dando socorro, ameniza metade do crime”, comenta.
O motorista do carro que atropelou Wesley fugiu sem prestar socorro, de acordo com os investigadores da 33ª Delegacia de Polícia (Santa Maria). Eles concluíram o inquérito na semana passada e indiciaram Reginaldo Gomes de Souza por homicídio culposo, agravado pela omissão de socorro. Ficou comprovado, por meio de perícia, que ele trafegava a 110km/h numa via em que a velocidade máxima permitida é 80km/h. O amigo dele, Luciano Xavier da Purificação, que estava no carro no momento do acidente, também está indiciado por omissão de socorro. “Testemunhas contaram que a vítima ficou presa no para-brisa e Reginaldo freou para ela cair. Ele alega que fugiu por medo de ser linchado, versão confirmada por Luciano”, informou uma fonte policial.
Desculpas no tribunal Titular da promotora de Delitos de Trânsito, Laura Beatriz Rito relata que, em juízo, as alegações mais comuns são perturbação, nervosismo e medo de linchamento. “No caso de risco de linchamento, primeiro o autor tem que se resguardar. Se ficar constatado que a vítima já não tem sinal de vida, não se pode prestar socorro a quem não precisa. Mas as autoridades devem ser avisadas do ocorrido imediatamente”, destaca a promotora.
Apesar das justificativas dos condutores, Laura Beatriz diz que, geralmente, a fuga é uma tentativa de se safar das punições. “É deprimente. O socorro é um dever humanitário. Mas, por medo de serem processadas, a fuga prevalece sobre a vida humana. É de um egoísmo total. A vida humana não tem valor”, lamenta. E por conta desse comportamento, muitos parentes de vítimas sofrem com a perda e com a impunidade. Segundo Laura Beatriz, muitos processos acabam arquivados porque a polícia e o MP não conseguem descobrir a autoria do crime.
Punição exemplar No caso do biólogo Pedro Davison, 25 anos, morto na faixa central do Eixo Rodoviário Sul em agosto de 2006, a fuga do condutor não impediu que a polícia o prendesse. O júri popular condenou o motorista Leonardo Luiz da Costa. O juiz fixou pena mínima de seis anos de cadeia. O Ministério Público considerou a punição branda e recorreu ao Tribunal de Justiça do DF, onde o recurso ainda não foi julgado pelos desembargadores.
No canteiro verde, uma bicicleta pintada de branco marca o local do acidente “não para lembrar a morte, mas a necessidade de respeito à vida”, afirma Pérsio Davison, 63 anos, pai do jovem. “Ele (o motorista) dirigia em alta velocidade, na faixa central do Eixão, onde é proibido o tráfego de carros, atropelou e fugiu. Esse rapaz demonstrou desrespeito com a vida ao assumir essas condutas e mais ainda porque não prestou socorro”, enumera.
Injustificável
Na avaliação do professor da Universidade de Brasília (UnB) Hartmut Günther, especialista em psicologia do trânsito, várias possibilidades podem levar o condutor a fugir do local de um acidente. Entrar em estado de choque é uma delas, assim como o medo de ser preso e responder pelos crimes de lesão ou homicídio culposo ou doloso no trânsito. “Nesse momento, a pessoa não está raciocinando bem e vai embora. Também existem os que acham que fugindo vão se safar”, destaca. “Agora, se antes do acidente essa pessoa se comportou de maneira irresponsável, em alta velocidade ou alcoolizado, por qual razão vai começar a se comportar responsavelmente quando fere outra?”, questiona. Para Günther, seja qual for o motivo, não há justificativa para a omissão de socorro.
Telefones de emergência
Corpo de Bombeiros - 193
Polícia Civil - 197
Polícia Federal - 194
Polícia Militar - 190
Polícia Rodoviária Federal - 191
Pronto-socorro - 192
Polícia Civil - 197
Polícia Federal - 194
Polícia Militar - 190
Polícia Rodoviária Federal - 191
Pronto-socorro - 192
Fonte: Correio Braziliense